Esta foi a maior injustiça da história do prêmio Nobel
Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *
Parte frontal de uma das medalhas do prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, concedidas em 1950 a pesquisadores da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota (ERIK LINDBERG (DESIGNER); JONATHUNDER/WIKIMEDIA COMMONS (fotógrafo))
Todo mês de outubro, a Fundação Nobel concede prêmios para celebrar os maiores avanços de várias áreas da ciência.
Alfred Nobel, o inventor da dinamite e detentor de 355 patentes, estabeleceu em seu testamento, em 1895, seu desejo de desenvolver a Fundação do Prêmio Nobel e as regras sob as quais ela deveria ser governada. Após sua morte em 1896, o prêmio é concedido anualmente desde 1901, com exceção do período em que a Noruega estava ocupada durante a Segunda Guerra Mundial. Desde então as regras já foram alteradas e podem muito bem ser alteradas novamente, mas hoje em dia estabelecem que podem haver no máximo três vencedores por categoria do prêmio (NOBEL MEDIA AB 2016)
Com um máximo de três vencedores por categoria do prêmio, muitos dos candidatos mais merecedores da história não receberam a láurea.
Lise Meitner, uma das cientistas cujo trabalho levou ao desenvolvimento da fissão nuclear, nunca recebeu o prêmio Nobel por seu trabalho. Em talvez uma grande injustiça, o cientista nazista Otto Hahn recebeu, sozinho, o prêmio Nobel em 1944 por sua descoberta da fissão nuclear, apesar do fato de Lise Meitner, uma cientista judia, ter feito uma descoberta crítica sozinha. Uma vez colaboradora de Hahn, ela não apenas nunca ganhou um Nobel como foi forçada a deixar a Alemanha devido à sua herança judaica (ARCHIVES OF THE MAX PLANCK SOCIETY)
No entanto, as maiores injustiças ocorreram quando os cientistas por trás das contribuições mais dignas foram desprezados.
A professora de física, Dra. Chien-Shiung Wu, em um laboratório da Universidade de Columbia, em uma foto de 1958. A Dra. Wu se tornou a primeira mulher a ganhar o prêmio da Research Corporation for Science Advancement depois de fornecer a primeira prova experimental, junto com cientistas do National Bureau of Standards, que o princípio da conservação da paridade não se sustenta em interações subatômicas fracas. Wu ganhou muitos prêmios, mas foi desprezada pelo prêmio de maior prestígio da ciência, talvez na maior injustiça da história do Prêmio Nobel (GETTY)
Os desenvolvimentos teóricos têm imensa importância científica, mas apenas resultados observáveis e mensurados podem confirmar, validar ou refutar uma teoria.
Partículas instáveis, como a grande partícula vermelha ilustrada acima, decaem por meio de interações fortes, eletromagnéticas ou fracas, produzindo partículas ‘filhas’ no processo. Se o fenômeno que ocorre em nosso universo ocorrer em uma taxa diferente ou com propriedades diferentes quando você olhar para o decaimento “espelhado”, ele violaria a paridade ou a simetria P. Se o processo espelhado for o mesmo em todos os aspectos, a simetria P é conservada (CERN)
Na década de 1950, físicos estavam investigando as propriedades fundamentais das partículas que compõe nosso universo.
Muitas letras do alfabeto têm simetrias específicas. Observe que as letras maiúsculas mostradas aqui têm uma, e apenas uma, linha de simetria; letras como “I” ou “O” têm mais de uma. Verificou-se que essa simetria tipo ‘espelho’, conhecida como paridade (ou simetria P), se mantém em todas as interações fortes, eletromagnéticas e gravitacionais, sempre que testadas. No entanto, as interações fracas ofereciam a possibilidade de violação da paridade. A descoberta e confirmação disso valeram o prêmio Nobel de Física de 1957 (MATH-ONLY-MATH.COM)
Muitos esperavam que três simetrias seriam sempre conservadas:
- Simetria C (relacionada à carga),
- Simetria P (relacionada à paridade) e
- Simetria T (relacionado ao tempo).
A natureza não é simétrica entre partículas/antipartículas ou entre imagens espelhadas de partículas, ou ambas, juntas. Antes da detecção de neutrinos, que claramente violam as simetrias espelhadas, as partículas que decaem por meio da Força Fraca ofereciam o único caminho potencial para identificar violações da simetria P (E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY)
Mas dois teóricos – Tsung-Dao Lee e Chen Ning Yang – suspeitavam que a simetria P pudesse ser violada pelas interações fracas.
Ilustração do decaimento beta em um núcleo atômico maciço. O decaimento beta é um decaimento que ocorre através das interações fracas, convertendo um nêutron em um próton, um elétron e um antineutrino do elétron. Um núcleo atômico possui um momento angular intrínseco (ou rotação), o que significa que possui um eixo de rotação no qual você pode apontar o polegar e, em seguida, os dedos da mão esquerda ou direita descrevem a direção do momento angular da partícula. Se uma das partículas ‘filhas’ do decaimento, como o elétron, exibir uma preferência por decaimento a favor ou contra o eixo de rotação, a simetria de paridade seria violada. Se não houver preferência, a paridade será conservada (WIKIMEDIA COMMONS USER INDUCTIVELOAD)
Em 1956, a cientista Chien-Shiung Wu colocou essa ideia à prova em um teste experimental.
Chien-Shiung Wu, à esquerda, teve uma carreira notável e distinta como física experimental, fazendo muitas descobertas importantes que confirmaram (ou refutaram) uma variedade de previsões teóricas importantes. No entanto, ela nunca recebeu o prêmio Nobel. Outros que fizeram menos trabalho do que ela foram nomeados e escolhidos antes dela (ACC. 90-105 – SCIENCE SERVICE, RECORDS, 1920S-1970S, SMITHSONIAN INSTITUTION ARCHIVES)
Ao observar o decaimento radioativo (o decaimento beta, por meio da Força Fraca), ela mostrou que esse processo era intrinsecamente quiral.
Paridade, ou simetria P, é uma das três simetrias fundamentais do universo, junto com a simetria T e a simetria C. Se as partículas girarem em uma direção e decaírem ao longo de um eixo específico, “invertê-las” em um espelho significa que elas devem girar na direção oposta e decair ao longo do mesmo eixo. Essa propriedade de ‘quiralidade’ é extraordinariamente importante para a compreensão dos processos da Física de Partículas. Observou-se que esse não era o caso dos decaimentos que ocorrem por meio da Força Fraca, a primeira indicação de que as partículas poderiam ter uma ‘mão’ intrínseca, e isso foi descoberto pela Madame Chien-Shiung Wu (E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY)
Em 1957, Lee e Yang receberam o prêmio Nobel de Física; Wu foi totalmente esquecida.
O prêmio Nobel de Física de 1957 foi concedido aos dois teóricos, Lee e Yang, que previram que as interações fracas exibiriam violações de paridade. Eles foram a Wu em 1956 e perguntaram se ela poderia projetar e realizar um experimento decisivo, o que ela fez, e, no entanto, ela foi deixada de fora do prêmio Nobel por completo. Nem mesmo o comunicado de imprensa da Fundação Nobel incluía uma única menção a ela (© NOBEL MEDIA AB 2019)
Até hoje, apenas três mulheres – Marie Curie (1903), Maria Goeppert-Mayer (1963) e Donna Strickland (2018) – ganharam o prêmio Nobel de Física.
Donna Strickland, na época uma estudante de graduação em óptica e membro do Picosecond Research Group, alinhando uma fibra óptica. A fibra é usada para aumentar ou diminuir a frequência de um pulso óptico que pode ser posteriormente amplificado e compactado para obter pulsos com picos altos e baixos. Esta pesquisa, fotografada em 1985, foi uma parte essencial do trabalho que lhe rendeu o Nobel em 2018, tornando-a apenas a terceira mulher na história a ganhar o prêmio na área de Física (UNIVERSITY OF ROCHESTER; CARLOS & RHONDA STROUD)
*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”
(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2019/10/07/this-one-award-was-the-biggest-injustice-in-nobel-prize-history/#655d79833d32)