14 Feb 2019

Ondas gravitacionais são afetadas pela gravidade?

Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *

 

Fontes distantes podem emitir ondas gravitacionais e enviar um sinal que deforma o tecido do espaço, que se manifesta como atração gravitacional. Mas essa deformação viaja na velocidade da luz; objetos distantes esperam muito tempo antes de sentir essa força (EUROPEAN GRAVITATIONAL OBSERVATORY, LIONEL BRET/EUROLIOS)

 

Quando você viaja pelo Universo, não faz um passeio por um espaço vazio. Embora você talvez não pense muito nisso, existem forças que surgem a partir da presença de tudo que existe, e essas forças desempenham importantes papéis. As cargas elétricas, as forças nucleares e a distorção gravitacional do próprio espaço – causada por todas as massas e formas de energia presentes no universo visível – afetam seu movimento. Mas e se você não fosse feito de átomos; e se, em vez disso, você fosse uma onda gravitacional? Você ainda seria afetado por essas forças da mesma maneira? Essa é a questão de Darren Redfern, que me perguntou:

As ondas gravitacionais estão sujeitas à gravidade? Se uma onda gravitacional passar por um aglomerado de galáxias, sua forma seria distorcida (mesmo considerando que a própria onda é uma distorção do espaço-tempo)? Por um lado, penso que ondas gravitacionais são uma forma de energia e, portanto, devem ser afetadas pela gravidade. Por outro lado, penso “não, isso não faz sentido!”

O Universo não é obrigado a fazer sentido. Mas existem regras que ele é obrigado a seguir. Vamos ver o que elas dizem.

Uma massa faz com que as “linhas retas” do espaço-tempo se curvem em uma quantidade específica. Na Relatividade Geral, tratamos o espaço e o tempo como contínuos, mas todas as formas de energia, incluindo, mas não se limitando, à massa, contribuem para a curvatura do espaço-tempo (CHRISTOPHER VITALE OF NETWORKOLOGIES AND THE PRATT INSTITUTE)

 

Quando se trata de Relatividade Geral, o conceito de gravidade é talvez mais simples do que qualquer alternativa que já existiu. A regra fundamental é: matéria e energia dizem ao espaço-tempo como se curvar; o espaço-tempo, curvo, determina como matéria e energia se movem. Se você me falar quais as partículas, antipartículas e outras entidades que contêm energia, eu poderia, em princípio, te dizer como o tecido do Universo seria curvado em resposta a elas.

À medida que as várias massas e formas de energia se movem uma em relação à outra – ou que você mesmo, como um observador ativo, se move – o espaço-tempo irá se distorcer em resposta. Em qualquer momento, esse espaço-tempo curvo determinará como você se move e se acelera através do Universo. É assim que a Relatividade Geral funciona.

Uma animação sobre como o espaço-tempo reage à medida que uma massa passa por ele ajuda a mostrar exatamente como, qualitativamente, ele não é apenas uma folha de tecido. Em vez disso, todo o espaço é curvado pela presença e pelas propriedades da matéria e da energia dentro do Universo (LUCASVB)

 

É um pouco contra intuitivo, mas o tipo de partícula que você é não importa. Se você é matéria ou antimatéria; se você é massivo ou se não tem massa; se você é uma partícula fundamental, indivisível ou composta; tudo isso é irrelevante. O tecido do Universo é curvo, e essa curvatura é o que determina como tudo se move através dele.

Parece um assunto encerrado, então. Quando olhamos para aglomerados de galáxias distantes, sabemos que sua massa distorce o tecido do espaço. Quando vemos a luz proveniente de objetos distantes, dentro ou fora desse aglomerado de galáxias, sabemos (e observamos) que a luz – mesmo que não tenha massa – segue o caminho determinado por esse espaço curvo.

Quando um observatório vê um corpo muito massivo, como um quasar, uma galáxia ou aglomerado de galáxias, muitas vezes ele enxerga imagens múltiplas e distorcidas da fonte de luz devido à curvatura do espaço. A curvatura do espaço afeta não apenas as massas, mas também os fótons sem massa que viajam nas proximidades do aglomerado (ALMA (ESO/NRAO/NAOJ), L. CALÇADA (ESO), Y. HEZAVEH ET AL.; JOEL JOHANSSON)

 

Há muitos motivos para acreditarmos que as ondas gravitacionais se comportem de maneira semelhante.

Não há?

Elas compartilham um número de propriedades com fótons, incluindo:

  • elas não têm massa,
  • elas viajam na velocidade da luz,
  • e, talvez ainda mais importante, elas carregam energia.

Esta última parte sobre carregar energia é muito importante, pois é isso que responde à curvatura do espaço.

Ondas gravitacionais se propagam em uma direção, expandindo e comprimindo alternadamente o espaço em direções mutuamente perpendiculares, definidas pela polarização da onda gravitacional. As próprias ondas gravitacionais, em uma teoria quântica da gravidade, devem ser compostas por quanta individuais do campo gravitacional: grávitons (M. PÖSSEL/EINSTEIN ONLINE)

 

Assim como a luz, as ondas gravitacionais têm um comprimento de onda. Assim como a luz, elas carregam uma energia que é definida pelo seu comprimento de onda e sua intensidade/amplitude. E, assim como a luz, seu comprimento de onda se alonga à medida que o Universo se expande.

Esta última parte nos permite ir do reino do teórico para o reino das observações. Nós já observamos uma série de ondas gravitacionais diferentes graças ao LIGO: 11 até o momento. Todas elas foram provenientes de objetos maciços, compactos e que se fundiram, onde o mais próximo ficava a mais de 100 milhões de anos-luz de distância. Com distâncias tão grandes (longos tempos de viagem das ondas gravitacionais), a expansão do Universo é um fator importante. Quando medimos as ondas que passaram pela Terra, podemos ver que, definitivamente,  elas foram esticadas devido à expansão do Universo.

Imagens estáticas dos buracos negros que LIGO e Virgo observaram até agora. À medida que os horizontes de eventos dos buracos negros se fundem, a amplitude e a frequência das ondas gravitacionais emitidas aumentam. Os buracos negros, nesses casos, variavam entre 7,6 e 50,6 massas solares, sendo que cerca de 5% da massa total era perdida durante cada fusão. A frequência da onda é afetada pela expansão do Universo (TERESITA RAMIREZ/GEOFFREY LOVELACE/SXS COLLABORATION/LIGO-VIRGO COLLABORATION)

 

Isso nos diz, inequivocamente, que as ondas gravitacionais, ao viajar através do Universo, são afetadas pela curvatura e alongamento do espaço.

Há também uma outra evidência. O evento kilonova de 2017, que nos permitiu a observação da fusão de duas estrelas de nêutrons tanto com ondas gravitacionais como com ondas eletromagnéticas (luz), mostrou que esses dois sinais chegaram à Terra quase simultaneamente, com menos de 2 segundos de diferença entre eles. Viajando de uma distância de mais de 100 milhões de anos-luz (e considerando que há mais de 30 milhões de segundos em um ano), podemos afirmar que a velocidade da luz e a velocidade da gravidade são iguais até a escala de 1 parte por um quatrilhão (1015).

Todas as partículas sem massa viajam à velocidade da luz, incluindo o fóton, o glúon e as ondas gravitacionais, responsáveis pelas interações eletromagnéticas, nucleares e gravitacionais, respectivamente. Partículas sem massa podem transportar energia, e elas devem ser todas afetadas pela curvatura do espaço-tempo igualmente (NASA/SONOMA STATE UNIVERSITY/AURORE SIMONNET)

 

Isso nos revela mais uma importante peça do quebra-cabeça: quaisquer atrasos que ocorram com fótons enquanto eles viajam pelo Universo devido à curvatura do espaço também ocorrerá com ondas gravitacionais. Sempre que você entra ou sai de uma área onde a gravidade é forte, você tem que seguir o caminho definido pela curvatura do espaço. Em torno de uma galáxia massiva, por exemplo, como aquela em que observamos a kilonova, o espaço é curvo e todas as partículas sem massa precisam sair desse potencial.

O fato de fótons e ondas gravitacionais chegaram simultaneamente nos diz que eles sofreram os mesmos efeitos quando passaram pelo espaço curvo.

Uma ilustração do efeito de lente gravitacional mostra como a imagem de galáxias distantes – ou de qualquer outro objeto – é distorcida pela presença de uma massa intermediária, mas também mostra como o próprio espaço é distorcido. Se uma onda gravitacional e um fóton chegam ao mesmo tempo e são emitidos ao mesmo tempo, fica implícito que eles sofreram os mesmos efeitos devido à curvatura do espaço-tempo (NASA/ESA)

 

Portanto, observamos que ondas gravitacionais:

  • sofrem os efeitos relacionados à expansão do Universo,
  • seguem o mesmo trajeto que fótons (até onde sabemos),
  • sofrem os mesmos efeitos de dilatação do tempo que outras partículas sem massa,
  • e sofrem as mesmas mudanças em energia quando entram e saem de regiões com grandes curvaturas do espaço devido à gravidade.

Isso resulta em uma implicação bastante profunda, embora possa não ser intuitiva. Em algum nível, esperamos que exista uma teoria quântica da gravidade que governe o Universo, e que o gráviton seja a partícula responsável pela interação gravitacional.

A Gravidade Quântica tenta combinar a Teoria da Relatividade Geral de Einstein com a Mecânica Quântica. Correções quânticas para a gravidade clássica podem ser visualizadas como diagramas de loop, como o mostrado acima, em branco. Se o espaço (ou tempo) em si é discreto ou contínuo ainda não é certo, assim como a questão de saber se a gravidade é quantizada ou não (SLAC NATIONAL ACCELERATOR LAB)

 

Se ondas gravitacionais sofrem os efeitos da gravidade, grávitons não interagem apenas com as partículas que transportam energia do Modelo Padrão; há também uma interação gráviton-gráviton.

Duas ondas gravitacionais diferentes, de acordo com a Relatividade de Einstein, devem interferir uma com a outra quando se encontram. Mas elas não podem simplesmente passar uma pela outra; a Relatividade Geral em si é uma teoria não-linear, o que significa que as ondas gravitacionais devem interagir e se espalhar em algum nível. Isso nos diz que há uma implicação sutil para a gravidade quântica: há uma chance de existir uma interação de espalhamento gráviton-gráviton.

Os grávitons, as partículas responsáveis pela força gravitacional, não mediam apenas as interações entre as partículas do Modelo Padrão. Há uma chance de que eles possam colidir uns com os outros; o que acontece quando o fazem é um quebra-cabeça que só a gravidade quântica será capaz de resolver.

Espera-se que os efeitos da gravidade quântica se tornem importantes em escalas muito pequenas (na escala de Planck) e muito próximas de massas extremamente grandes. Entretanto, se nossa compreensão dos grávitons estiver correta, para mantê-la consistente com o comportamento das ondas gravitacionais, deve haver uma seção transversal gráviton-gráviton. Não sabemos quais são as consequências exatas dessa interação; uma teoria quântica da gravidade é necessária para isso (NASA/CXC/M.WEISS)

 

Embora possa parecer contra intuitivo que a gravidade afeta ondas gravitacionais, esse é um daqueles casos maravilhosos em que a teoria e a observação se alinham perfeitamente. Elas demonstram que as ondas gravitacionais devem seguir os caminhos curvos estabelecidos pela presença de massa e energia no Universo; que elas têm seus comprimentos de onda estendidos à medida que o Universo se expande; que elas obedecem as regras da dilatação do tempo; e que elas seguem os mesmos caminhos que os fótons, com exceção das interações com matéria.

Essas conclusões também trazem consigo algumas consequências para uma teoria quântica da gravidade, que podem restringir ou mesmo excluir alguns cenários que seriam incrivelmente interessantes. Em nossa missão para compreender o Universo, a astronomia de ondas gravitacionais está realmente nos levando à próxima fronteira!

 

*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”
(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2018/12/15/ask-ethan-are-gravitational-waves-themselves-affected-by-gravity/#796c25b12f3f)

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