20 Dec 2018

Esse é o verdadeiro motivo pelo qual ainda não detectamos matéria escura diretamente

Encontrar a partícula que presumimos ser responsável pela matéria escura sempre foi um jogo de tentativa e erro. E nós erramos.

 

Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *

Físicos montam o detector LUX (Large Underground Xenon), que foi um dos experimentos mais sensíveis do mundo para a detecção direta de partículas de matéria escura. Quando foi posicionada dentro da mina de Homestake, a cápsula preenchida com xenon líquido esperava detectar de três a quatro partículas de matéria escura por ano. O experimento não detectou partícula alguma. (John B. Carnett/Bonnier Corporation através de Getty Images)

 

Você não pode ficar bravo com um time por tentar o improvável, esperando que a natureza coopere. Algumas das mais famosas descobertas de todos os tempos aconteceram graças ao acaso, portanto se podemos testar uma teoria com baixo custo e que tem uma recompensa extremamente alta, a tendência é ir em frente e testá-la. Acredite ou não, essa é a mentalidade que está direcionando os experimentos que buscam a detecção direta da matéria escura.

Para entender como podemos encontrar matéria escura, no entanto, você precisa primeiro entender o que sabemos até agora e para onde as evidências apontam no que diz respeito à detecção direta. Ainda não a detectamos diretamente, mas tudo bem. Não observar matéria escura em um experimento não é evidência de que ela não existe. Todas as evidências indiretas que temos mostram que ela é real. O problema é como demonstrar sua realidade e, com sorte, faremos isso encontrando a partícula responsável por formá-la.

As partículas e antipartículas do Modelo Padrão da Física de Partículas estão exatamente de acordo com o que os experimentos observam, com exceção dos neutrinos massivos que exigem uma física além do modelo padrão. Independentemente do que a matéria escura for, ela não pode ser uma dessas partículas nem um conjunto dessas partículas (E. SIEGEL/ALÉM DO GALAXY)

 

Vamos recapitular o básico sobre matéria escura: a ideia, a motivação, as observações, a teoria e, depois, falaremos sobre a busca pela detecção direta.

A ideia. Você sabe o básico: existem prótons, nêutrons e elétrons que compõem nossos corpos, nosso planeta e toda a matéria que conhecemos, bem como os fótons (luz, radiação, etc.). Os prótons e nêutrons podem ser divididos em partículas ainda mais fundamentais – os quarks e os glúons – e, junto com as outras partículas do Modelo Padrão, compõem toda a matéria conhecida no Universo.

A grande ideia da matéria escura é que há algo além dessas partículas conhecidas que contribui de maneira significativa para formar a quantidade total de matéria no Universo. Mas por que pensaríamos isso?

As duas grandes e brilhantes galáxias no centro do Coma Cluster, NGC 4889 (à esquerda) e a pouco menor NGC 4874 (à direita), têm, cada uma, mais de um milhão de anos-luz de tamanho. Mas as galáxias em suas periferias, que se movem muito rapidamente, apontam para a existência de um grande halo de matéria escura em todo o aglomerado (ADAM BLOCK/MONTAGEM LEMMON SKYCENTER/UNIVERSIDADE DO ARIZONA)

 

A motivação. Nós sabemos como as estrelas funcionam e sabemos como a gravidade funciona. Se olharmos para galáxias, aglomerados de galáxias e para as maiores estruturas do Universo, podemos extrapolar duas coisas. Um: a quantidade de massa que existe nessas estruturas. Quando olhamos para a forma como elas se movimentam e para as regras gravitacionais que governam os corpos em órbita, obtemos um número para a quantidade de matéria que precisa estar lá. Dois: sabemos como as estrelas funcionam, então desde que possamos medir a luz proveniente delas, podemos saber sua massa.

Os números que obtemos através desses dois métodos não são os mesmos; na verdade, eles são muito diferentes. É preciso que algo além das estrelas seja responsável pela maior parte da massa no Universo. Isso foi verificado tanto em grupos de estrelas em galáxias individuais como nos maiores aglomerados de milhares de galáxias.

As abundâncias previstas de hélio-4, deutério, hélio-3 e lítio-7 pela teoria da Nucleossíntese primordial, com observações ressaltadas pelos círculos vermelhos. O Universo é composto de 75% a 76% de hidrogênio, de 24% a 25% de hélio, um pouco de deutério e hélio-3, e uma quantidade mínima de lítio. Depois que o trítio e o berílio decaem é isso que nos resta, e isso permanece inalterado até que as estrelas se formem. Apenas cerca de 1/6 da matéria do Universo pode estar na forma de “matéria normal” (bariônica) (NASA/WMAP SCIENCE TEAM)

 

As observações. É aqui que as coisas ficam divertidas, porque há uma tonelada delas. Vou me concentrar em apenas três. Quando extrapolamos as leis da Física para os primórdios do Universo, descobrimos que não apenas houve uma época na qual o Universo estava tão quente que átomos neutros não conseguiam se formar, mas houve uma época na qual nem mesmo núcleos atômicos conseguiam se formar! A formação dos primeiros elementos no Universo após o Big Bang – devido à Nucleossíntese primordial – nos diz com muita, muita precisão o quanto de “matéria normal” existe no Universo. Embora exista muito mais matéria do que está em torno das estrelas, a “matéria normal” constitui apenas cerca de um sexto da quantidade total de matéria que sabemos que existe.

Flutuações na Radiação Cósmica de Fundo foram medidas com precisão pela primeira vez pelo projeto COBE nos anos 90, depois com ainda mais precisão pelo WMAP nos anos 2000 e pela sonda espacial Planck (acima) nos anos 2010. Esta imagem contém uma enorme quantidade de informação sobre o início do Universo, incluindo sua composição, idade e história. As flutuações são da ordem de apenas dezenas a centenas de microkelvin em magnitude, mas definitivamente apontam para a existência de “matéria normal” e escura em uma proporção de 1: 5 (ESA/COLABORAÇÃO PLANCK)

 

As flutuações na Radiação Cósmica de Fundo são particularmente interessantes. Elas nos informam quanto do Universo está na forma de “matéria normal” (prótons, nêutrons, elétrons), quanto está na forma de radiação e quanto está na forma de matéria escura, entre outras coisas. Novamente, a proporção é de 5/6 de matéria escura e 1/6 de “matéria normal”.

Observações de oscilações acústicas de bárions na magnitude em que são vistas, em grandes escalas, indicam que o Universo é feito principalmente de matéria escura, com apenas uma pequena porcentagem de “matéria normal” causando essas “ondulações” no gráfico acima (MICHAEL KUHLEN, MARK VOGELSBERGER E RAUL ANGULO)

 

E, finalmente, há a maneira como as estruturas se formam em grandes escalas. Isso é particularmente importante porque não apenas podemos ver a proporção entre “matéria normal” e matéria escura na magnitude das oscilações do gráfico acima, como podemos também afirmar que a matéria escura é “fria”, ou seja, se movia abaixo de uma determinada velocidade mesmo quando o Universo era muito jovem. Essas informações levam a excelentes, e precisas, previsões teóricas.

De acordo com modelos e simulações, todas as galáxias devem estar imersas em halos de matéria escura, cujas densidades atingem o pico nos centros galácticos. Em escalas de tempo suficientemente longas, talvez de um bilhão de anos, uma única partícula de matéria escura da periferia do halo completará uma órbita. Os efeitos de gás, formação de estrelas, supernovas e radiação complicam esse ambiente, tornando extremamente difícil fazer previsões universais sobre a matéria escura (NASA, ESA, E T. BROWN E J. TUMLINSON (STSCI))

 

A teoria. Isso nos diz que em torno de cada galáxia e aglomerado de galáxias deve haver um halo difuso e extremamente grande de matéria escura. Esta matéria escura praticamente não deveria “colidir” com “matéria normal”. Alguns estudos indicam que uma partícula de matéria escura teria uma chance de apenas 50% de interagir com “matéria normal” se ela viajasse através de um ano-luz de chumbo sólido. Devem haver muitas partículas de matéria escura passando despercebidas pela Terra, por mim e por você todos os segundos; além disso, a matéria escura também não colide ou interage consigo mesma, como acontece com a “matéria normal”.

Existem algumas maneiras indiretas de verificar isso: a primeira é estudar o que chamamos de lente gravitacional.

Quando galáxias massivas e brilhantes estão atrás de um aglomerado de outras galáxias, sua luz é distorcida devido a efeitos relativísticos conhecidos como lente gravitacional (NASA, ESA E JOHAN RICHARD (CALTECH, EUA) AGRADECIMENTO: DAVIDE DE MARTIN E JAMES LONG (ESA / HUBBLE) NASA, ESA, E J. LOTZ E A HFF TEAM, STSCI)

 

Observando como a luz de galáxias distantes é distorcida pela presença de massa em seu caminho, podemos saber a quantidade de massa em questão utilizando as leis da relatividade geral. É preciso que exista matéria escura lá, mas olhando para colisões de clusters de galáxias nós aprendemos algo ainda mais profundo.

Efeito de lente gravitacional (azul) sobreposto sobre dados ópticos e de raios-X (rosa) do cluster de galáxias Bullet. A incompatibilidade das localizações dos raios X e da massa inferida é inegável (RAIO X: NASA/CXC/CFA/M.MARKEVITCH ET AL.; MAPA DE LENTES: NASA/STSCI; ESO WFI; MAGELLAN/ U.ARIZONA/D.CLOWE ET AL.; ÓPTICO: NASA/STSCI; MAGELLAN/U .ARIZONA/D.CLOWE ET AL.)

 

Partículas de matéria escura realmente passam uma através da outra e são responsáveis pela maior parte da massa nesses clusters; a “matéria normal” na forma de gás cria choques (em raios X/rosa, acima), e só é responsável por cerca de 15% da massa total desse sistema. Em outras palavras, vemos que mais uma vez cerca de 5/6 da massa desse sistema é matéria escura! Ao olhar para a colisão de aglomerados de galáxias e monitorar como a matéria observável e como a massa gravitacional total se comportam, podemos apresentar uma prova astrofísica e empírica da existência da matéria escura.

Mas essas observações são indiretas; sabemos que deve haver uma partícula associada à matéria escura, e é ela que estamos buscando.

Se a matéria escura interage com ela mesma, sua seção transversal é tremendamente baixa, como mostram experimentos de detecção direta. Ela também não se espalha muito quando colide com núcleos atômicos (Mirabolfathi, Nader arXiv: 1308.0044 [astro-ph.IM])

 

A busca. Essa é a grande esperança: detecção direta. Como não sabemos o que está além do Modelo Padrão – ainda não descobrimos nenhuma partícula além dele – não sabemos quais devem ser as propriedades da partícula (ou partículas) de matéria escura, como ela deve ser ou como podemos encontrá-la. Nós não sabemos se ela é uma partícula fundamental ou se ela é composta por uma variedade de partículas diferentes.

Então pensamos no que poderíamos detectar e olhamos nessa direção. Podemos procurar por interações até uma certa intensidade. Podemos procurar por ricochetes de energia até uma certa energia. Mas, em algum momento, limitações experimentais – radioatividade natural, nêutrons cósmicos, neutrinos solares/cósmicos, etc. – tornam impossível obter um sinal abaixo de um certo limiar.

Hall B do LNGS com instalações XENON, com o detector instalado dentro de um grande tanque de água. Se houver alguma seção transversal diferente de zero entre a matéria escura e a “matéria normal”, um experimento como essa terá a chance de detectar matéria escura diretamente, e mostrará que há uma chance de que a matéria escura possa interagir com o seu corpo (INFN)

 

Resumindo: os mais recentes experimentos para detectar matéria escura diretamente não a encontraram, pelo menos por enquanto. Esse foi o resultado de todos os experimentos que tentaram detectar matéria escura diretamente.

E tudo bem! A menos que a matéria escura tenha uma certa massa e uma certa seção de choque de interação, nenhum dos experimentos atuais conseguirá detectá-la. Isso não significa que a matéria escura não é real, apenas significa que a matéria escura é algo diferente daquilo que nossos experimentos foram projetados para encontrar.

A configuração criogênica de um dos experimentos que busca explorar as interações hipotéticas entre a matéria escura e o eletromagnetismo. No entanto, se a matéria escura não tiver propriedades específicas para as quais o experimento está projetado para observar, jamais vamos vê-la diretamente (AXION DARK MATTER EXPERIMENT (ADMX)/LLNL’S FLICKR)

 

Então continuamos procurando e continuamos pensando em novas possibilidades para o que a matéria escura poderia ser, e continuamos pensando em novas maneiras de procurá-la. É assim que a ciência funciona em áreas de fronteira do conhecimento. Pessoalmente, eu não acredito que essas tentativas de detecção direta serão bem-sucedidas. Estamos atirando no escuro e esperando acertar alguma coisa, e há poucas boas razões para que a matéria escura tenha as características específicas que nossos experimentos estão testando. Mas é o que poderíamos observar, então testamos. Se a encontrarmos, Prêmios Nobel e novas descobertas para todos; e, se não, saberemos um pouco mais sobre onde a nova física não está. Mas, da mesma forma que você não deve se enganar com as afirmações sensacionalistas de que a matéria escura foi diretamente detectada, você não deve se enganar com aqueles que dizem que “a matéria escura não existe” porque um experimento de detecção direta falhou.

Estamos atrás das partículas mais fundamentais do Universo e só recentemente começamos a entendê-lo. Não deveria ser surpreendente se as pesquisas demorarem um pouco – ou até mesmo muito – mais tempo. Até lá, a jornada para conhecer e compreender o que faz do Universo o que ele é continua.

 

*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”

(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2018/10/05/this-is-the-real-reason-we-havent-directly-detected-dark-matter/#46f03d9c32f2)

 

Leave a Reply