05 Mar 2020

Mistério aumenta sobre a taxa de expansão do universo

Colaborações independentes, utilizando métodos distintos, obtiveram número estatisticamente diferente do que o previsto pelo modelo padrão da cosmologia

 

Ainda há muito que não sabemos sobre o universo. Sabemos que cerca de 27% dele é composto por uma forma de matéria que provavelmente interage apenas com ela mesma e com a matéria que conhecemos através da força gravitacional, a matéria escura, mas não sabemos quais as partículas que a compõe. Sabemos que outros 68% dele é composto por energia escura, cuja natureza também desconhecemos. Sabemos que a energia escura é responsável pela aceleração da expansão do universo, mas não sabemos exatamente qual o valor dessa taxa de aceleração, conhecida como a constante de Hubble.

O valor da constante de Hubble tem sido tema de debate entre físicos e astrônomos nos últimos anos, já que métodos diferentes de medição têm apresentado resultados distintos. O modelo CDM (da sigla em inglês para Cold Dark Matter), consistente com o atual modelo padrão da cosmologia, calcula a taxa de expansão do universo baseado na Radiação Cósmica de Fundo (CMB, da sigla em inglês para Cosmic Microwave Background), uma radiação proveniente de uma época em que o universo era quente e denso, cerca de 380 mil anos após o Big Bang.

Entre 2009 e 2013, a sonda espacial Planck mediu, com alta resolução e precisão, o mapa da CMB. Baseado nesse resultado, o valor da constante de Hubble foi estimado em 67,4 ± 0,5 km/s/Mpc. Isso significa que galáxias que estão a um megaparsec de distância (3,09×1012 km) estão se afastando de nós a uma velocidade de 67,4 km/s, com um erro de 0,5 para mais ou para menos.

Entretanto, a constante de Hubble pode ser calculada a partir das distâncias e velocidades de diversos objetos astronômicos diferentes. A colaboração SH0ES, por exemplo, se baseia em dois deles: supernovas do tipo Ia, que são brilhantes o suficiente para serem observadas a grandes distâncias e são uma ferramenta eficiente para medir distâncias cósmicas relativas; e estrelas do tipo Cefeida, que são numerosas e bem representadas perto da Terra, e brilhantes para serem vistas nas mesmas distâncias do que as supernovas mais próximas.

A medida mais recente da colaboração, 74 ± 1,4 km/s/Mpc, difere do resultado do CDM em 4,4 desvios padrões. Em Física de Altas Energias, uma descoberta científica é anunciada quando há uma significância estatística de 5 desvios padrões, o que significa que há apenas uma chance em 3,5 milhões de que o resultado seja devido ao acaso.

Embora seja improvável que uma diferença dessa magnitude seja causada pelo acaso, existe a possibilidade de que algum aspecto da metodologia ou do estudo em si – como a evolução de supernovas ou a pulsação de Cefeidas, por exemplo – não seja tão bem compreendido quanto os cientistas acreditam.

Essa hipótese, porém, parece cada vez mais improvável. A colaboração H0LiCOW, que em 2017 publicou um valor baseado no efeito de lente gravitacional de três quasares, ampliou seu estudo para seis quasares e forneceu um número de 73,3 + 1,7 – 1,8 km/s/Mpc para a taxa de expansão do universo. O resultado corrobora o valor obtido pela colaboração SH0ES e, juntando os dados das duas iniciativas, obtemos um valor de 73,8 ± 1,1 km/s/Mpc que fica a 5,3 desvios padrões do valor do CDM.

O importante a ressaltar é que as colaborações SH0ES e H0LiCOW obtiveram resultados bastante similares mesmo se baseando em métodos completamente diferentes. Enquanto a SH0ES chegou ao seu resultado analisando supernovas e Cefeidas, a H0LiCOW se baseou no efeito de lente gravitacional.

Quando um quasar (ou qualquer outro objeto brilhante e distante) fica alinhado atrás de um objeto massivo, como uma galáxia, sua luz pode ser tão desviada pela gravidade que observadores na Terra o enxergaram múltiplas vezes. O efeito é exemplificado pela figura abaixo.

Como a luz, em cada um dos caminhos, é afetada por potenciais gravitacionais diferentes e percorre caminhos diferentes, ela chega à Terra em tempos diferentes. Essas diferenças, junto com as medidas dos ângulos de deflexão das imagens, fornecem informações suficientes para medir a taxa de expansão do universo.

A diferença entre os resultados baseados na CMB e das colaborações SH0ES e H0LiCOW sugerem que possa existir uma Física ainda desconhecida além do modelo padrão da cosmologia. Atualmente, não há muitas maneiras de modificar o CDM para incluir o novo valor da constante de Hubble e o manter de acordo com todas as outras medidas. Algumas possibilidades que cientistas estão explorando incluem radiação escura (partículas escuras relativísticas, cujos comprimentos de onda são esticados conforme o universo expande), modificações não newtonianas à gravidade ou uma energia escura que não é constante. Mas ainda não temos evidências de nenhuma dessas hipóteses.

Os pesquisadores da colaboração H0LiCOW estão tentando adicionar mais quasares às suas análises, com o objetivo de reduzir suas incertezas para menos de 1%, ou menos de 0,7 km/s/Mpc. Se o valor da constante de Hubble continuar o mesmo, a nova medida terá 5 desvios padrões de diferença do CDM sem depender de nenhum outro resultado.

Para saber mais, acesse: https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/PT.3.4424

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