Por que o paradoxo da perda de informação em buracos negros é um problema?
Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *
Ilustração de um buraco negro e seu disco de acreção. É possível prever os estados iniciais e finais de buracos negros, apesar de ainda não compreendermos exatamente o fenômeno de perda/retenção de informação (NASA)
Quando se trata de ciência, fazer duas observações ou medidas que parecem se contradizer às vezes é a melhor coisa que pode acontecer. Esses aparentes paradoxos ajudam a levar os campos de pesquisa adiante e nos mostram onde procurar uma solução. O fato do céu noturno ser escuro, o chamado paradoxo de Olbers, não foi solucionado até a teoria do Big Bang ser proposta. O paradoxo de Fermi nos ajuda a entender quão raras as civilizações inteligentes devem ser no universo. E o paradoxo da perda de informação em buracos negros pode ser a chave para compreendermos a gravidade quântica. Mas será essa última frase realmente verdadeira? Gabe Eisenstein é cético e me perguntou:
“Por que os físicos parecem concordar que o paradoxo da perda de informação é um problema? Ele parece depender de determinismo, o que parece ser incompatível com Mecânica Quântica.”
Muitas pessoas têm vieses quando se trata do paradoxo da perda de informação em buracos negros, então vou dar a versão completa sobre o porquê isso é realmente um problema e o que sua solução significaria.
Cair em um buraco negro, para além do raio de Schwarzschild, leva à singularidade e à escuridão. No entanto, o que quer que caia nele contém informação, enquanto o próprio buraco negro, pelo menos na Teoria da Relatividade Geral, é definido apenas por sua massa, carga e momento angular (Ilustração: ESO, ESA/HUBBLE, M. KORNMESSER)
A primeira coisa que temos que ter em mente é que o paradoxo da perda de informação em buracos negros não é sobre o tipo de informação usual. Quando pensamos nas palavras impressas em um livro, no número de bits e bytes em um arquivo de computador ou nas configurações e propriedades quânticas das partículas que compõem um sistema, pensamos em informação como o conjunto completo de coisas que precisamos saber para reconstruir, do zero, o original.
Mas essa definição convencional de informação não é uma propriedade física que seja facilmente mensurável ou quantificável da mesma forma que, por exemplo, a temperatura. Para nossa sorte, existe uma propriedade física que pode ser definida como um equivalente de informação: a entropia. Em vez de pensar em entropia como uma medida de desordem, devemos pensar na entropia como a quantidade de “informação que falta” em um sistema e que é necessária para determinar qual seria o seu microestado específico.
A entropia de uma certa quantidade de massa que é devorada por um buraco negro é determinada por suas propriedades físicas. Mas, dentro de um buraco negro, apenas propriedades como massa, carga e momento angular importam. Isso resulta em um grande enigma se a segunda lei da termodinâmica for verdadeira (Ilustração: NASA/CXC/M.WEISS; X-RAY (figura de cima): NASA/CXC/MPE/S.KOMOSSA ET AL. (figura à esquerda); OPTICAL: ESO/MPE/S.KOMOSSA (figura à direita))
Existem regras que a entropia deve seguir neste Universo. A segunda lei da termodinâmica é uma das mais invioláveis: em qualquer sistema, se você não permitir que nada entre e que nada saia, a entropia nunca diminuirá espontaneamente.
Ovos mexidos não voltam a se separar em clara e gema espontaneamente, água morna não se separa em partes quentes e frias, e cinzas não voltam a ser o objeto que eram antes de serem queimadas. Todos esses fenômenos são exemplos de diminuição de entropia e eles não acontecem na natureza de forma espontânea. A entropia pode permanecer a mesma; na maioria dos casos, ela aumenta; mas ela nunca pode retornar a um estado de entropia inferior.
Uma representação do experimento mental conhecido como “o demônio de Maxwell”, que separa partículas de acordo com sua energia em lados diferentes de uma mesma caixa (WIKIMEDIA COMMONS USER HTKYM)
A única maneira de diminuir artificialmente a entropia é fornecer energia para um sistema, “trapaceando” a segunda lei da termodinâmica ao aumentar a entropia externa ao sistema em uma quantidade maior do que a que diminui dentro do sistema (limpar sua casa seria um exemplo disso). Resumindo, entropia nunca pode ser destruída.
O que acontece, então, quando um buraco negro se alimenta de matéria? Vamos voltar ao nosso exemplo anterior e imaginar o que aconteceria se jogássemos um livro em um buraco negro. As únicas propriedades que atribuímos a um buraco negro são bastante diretas: massa, carga e momento angular. O livro contém informações, mas quando você o joga em um buraco negro, ele apenas aumenta a massa do buraco negro. Originalmente, pensava-se que a entropia de buracos negros deveria ser zero. Mas, se esse fosse o caso, permitir que qualquer coisa caísse em um buraco negro violaria a segunda lei da termodinâmica. E isso, é claro, não pode acontecer.
A massa de um buraco negro é o único fator que determina o raio do seu horizonte de eventos, ou “ponto de não-retorno” [ponto a partir do qual a força da gravidade é tão forte que nada, nem mesmo luz, pode “escapar” do buraco negro], para buracos negros isolados e que não estão em rotação. Por muito tempo, acreditava-se que os buracos negros eram objetos estáticos no espaço-tempo do Universo (SXS TEAM; BOHN ET AL 2015)
Como, então, você quantifica a entropia de um buraco negro?
A ideia para resolver esse problema pode ser traçada até John Wheeler, que pensou sobre o que acontece com um objeto quando ele cai em um buraco negro do ponto de vista de um observador que não está no horizonte de eventos. Vendo de longe, teríamos a impressão de que o objeto se aproximaria assintoticamente do horizonte de eventos, se tornaria cada vez mais vermelho devido ao desvio gravitacional para o vermelho (gravitational redshift) e demoraria um tempo infinitamente longo para alcançar o horizonte de eventos, devido à dilatação relativística do tempo. Portanto, a informação de qualquer coisa que caísse no buraco negro pareceria estar codificada na área da superfície do próprio buraco negro.
Pode haver bits de informação codificados na superfície de um buraco negro, proporcional à área de superfície do horizonte de eventos (T.B. BAKKER/DR. J.P. VAN DER SCHAAR, UNIVERSITEIT VAN AMSTERDAM)
Essa solução parece resolver o problema elegantemente. Quando algo cai em um buraco negro, sua massa aumenta. Quando sua massa aumenta, o seu raio também aumenta, assim como sua área de superfície. Quanto maior a sua área de superfície, mais informação você pode codificar, da mesma forma que você pode fazer mais traços de caneta em um globo maior do que em um menor.
A implicação dessa solução é que, em vez de entropia zero, a entropia de um buraco negro é enorme! Mesmo que um horizonte de eventos seja relativamente pequeno em relação ao tamanho do Universo, a quantidade de espaço necessária para codificar um bit quântico é pequena e, portanto, uma quantidade tremenda de informação pode ser codificada na superfície de um buraco negro. A entropia aumenta, a informação é conservada e as leis da termodinâmica são obedecidas. Problema resolvido.
Exceto, é claro, pela parte do paradoxo.
O horizonte de eventos de um buraco negro é uma região esférica ou esferoidal da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Mas fora do horizonte de eventos, prevê-se que o buraco negro emita radiação. O trabalho de Hawking de 1974 foi o primeiro a demonstrar isso e foi, talvez, sua maior realização científica (NASA; JÖRN WILMS (TÜBINGEN) ET AL.; ESA)
Se buracos negros têm uma entropia, então eles também devem ter uma temperatura. E, como qualquer coisa que tem uma temperatura, eles devem irradiar.
Como Stephen Hawking demonstrou, buracos negros emitem radiação de temperatura e espectro específicos, definidos pela massa do buraco negro. Com o tempo, essa emissão de energia faz com que o buraco negro perca massa, devido à famosa equação E = mc2 de Einstein; se energia está sendo liberada, ela tem que vir de algum lugar, e esse “algum lugar” deve ser o próprio buraco negro. Assim, o buraco negro perde massa cada vez mais rápido até que, em um clarão brilhante de luz, ele evapore completamente.
Em um cenário de escuridão aparentemente eterno, um único lampejo de luz surgirá: a evaporação do último buraco negro do Universo. Esse é o destino de todos os buracos negros: a evaporação completa (ORTEGA-PICTURES/PIXABAY)
Mas se o buraco negro evapora na forma de radiação de corpo negro, que é definida apenas pela massa do buraco negro, então o que acontece com toda a informação e com toda a entropia que foi codificada no horizonte de eventos do buraco negro? Você não pode simplesmente destruir essa informação, pode?
Essa é a raiz do paradoxo da perda de informação em buracos negros. Os buracos negros devem ter uma grande entropia – essa entropia inclui todas as informações sobre o que criou o buraco negro e a informação é codificada na superfície do horizonte de eventos, mas quando o buraco negro evapora devido à radiação Hawking, o horizonte de eventos desaparece e deixa apenas radiação em seu lugar. Essa radiação, até onde sabemos, depende apenas da massa do buraco negro.
Qualquer coisa que queima pode parecer destruída, mas todas as informações sobre o estado “pré-queimado” são, em princípio, recuperáveis se rastrearmos tudo que resulta do fogo (Imagem de domínio público)
Um livro qualquer e “O Conde de Monte Cristo” contêm informações diferentes. No entanto, se suas massas fossem idênticas e nós os jogássemos em buracos negros idênticos, seria esperado que radiações Hawking equivalentes fossem emitidas por eles. Para um observador externo parece que a informação é destruída e, com base no que sabemos sobre entropia, isso não deveria ser possível. Na verdade, isso violaria a segunda lei da termodinâmica.
Se, em vez disso, você queimasse esses dois livros de massas idênticas, os padrões de tinta no papel, as variações nas estruturas moleculares e outras diferenças mínimas entre eles conteriam informações que permitiriam a reconstrução das informações contidas neles. A informação pode estar embaralhada, mas não está perdida. O paradoxo da perda de informação em buracos negros, no entanto, é um problema real. Uma vez que um buraco negro evapora, a informação original não deixa rastros em lugar algum do nosso Universo observável.
Simulações de decaimento de buracos negros não apenas resultam na emissão de radiação, mas também no decaimento da massa orbital central que mantém a maioria dos objetos estáveis. Buracos negros não são objetos estáticos; eles mudam com o tempo. No entanto, buracos negros formados por diferentes materiais deveriam ter diferentes informações codificadas em seus horizontes de evento (EU’S COMMUNICATE SCIENCE)
Ainda não temos as respostas para esse paradoxo, e ele é um problema real para a física. Entretanto, podemos imaginar como seria sua solução. Até onde sabemos, uma entre duas coisas deve estar acontecendo:
- Ou informações são realmente destruídas de alguma forma quando um buraco negro evapora, o que indica que existem novas regras e leis da física em vigor quando se trata da evaporação de buracos negros,
- Ou a radiação que é emitida contém essas informações de alguma forma, o que significa que a radiação Hawking é mais complexa do que mostram nossos cálculos até agora.
Podemos observar a radiação emitida pela matéria que está ao redor de buracos negros, mas não a radiação Hawking que teoricamente é emitida espontaneamente do lado de fora do horizonte de eventos. Nós medimos apenas o efeito Hawking previsto para sistemas análogos de buracos negros em sistemas de dinâmica de fluidos e matéria condensada (LIGO/CALTECH/MIT/SONOMA STATE (AURORE SIMONNET))
A maior parte das pessoas que trabalha com esse problema pensa que, de alguma forma, deve haver uma maneira da informação codificada na superfície do buraco negro estar presente na radiação emitida. Como isso poderia acontecer, porém, é algo que ninguém entende.
Seria devido ao fato de que as informações na superfície do buraco negro aplicam correções quânticas para o estado puramente térmico de radiação Hawking?
Pensar nesta hipótese é tentador, mas ela ainda não foi comprovada. Atualmente temos uma ampla gama de soluções hipotéticas para o paradoxo, mas nenhuma comprovada.
Quando você cai em um buraco negro ou simplesmente se aproxima muito do horizonte de eventos, o tamanho do buraco negro parece muito maior do que o tamanho real. A impressão de um observador externo que está vendo você cair seria a de que suas informações seriam codificadas no horizonte de eventos. Ainda não sabemos o que acontece com essas informações à medida que o buraco negro evapora (ANDREW HAMILTON/JILA/UNIVERSIDADE DO COLORADO)
Para o paradoxo da perda de informações em buracos negros, a natureza do Universo quântico pode ser determinista ou não-determinista, e independe de qual interpretação quântica você escolhe, da existência de variáveis ocultas ou não, e de muitos outros aspectos da natureza da realidade. Ainda não sabemos se há mais dimensões do que as quatro que conhecemos atualmente e, embora muitas soluções propostas invoquem o princípio holográfico, é incerto se isso desempenha algum papel em qualquer que seja a solução do paradoxo.
Muitas ideias são atraentes ou interessantes, mas são apenas ideias; o paradoxo permanece sem solução. E não há uma solução clara. Apesar do fato de que praticamente todos concordam que a solução deve envolver informações codificadas na radiação emitida, ninguém sabe como chegar a ela. Até descobrirmos como – ou se – a informação é preservada nos decaimentos dos buracos negros, esse quebra-cabeça continuará sendo um dos grandes paradoxos da nossa época.
*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”
(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2018/10/06/ask-ethan-why-is-the-black-hole-information-loss-paradox-a-problem/#5422c4214a21)