16 Aug 2019

Me desculpem, fãs de astronomia, mas a constante de Hubble não é uma constante

Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *

Uma parte do Hubble eXtreme Deep Field em luz UV-vis-IR, a imagem mais profunda já obtida. As diferentes galáxias mostradas aqui estão em diferentes distâncias e redshifts, e nos permitem entender como o universo está se expandindo hoje e como essa taxa de expansão mudou ao longo do tempo (NASA, ESA, H. TEPLITZ E M. RAFELSKI (IPAC/CALTECH) A. KOEKEMOER (STSCI), R. WINDHORST (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO ARIZONA) E Z. LEVAY (STSCI))

 

Nosso universo observável é enorme, com cerca de dois trilhões de galáxias espalhadas pelo abismo do espaço por dezenas de bilhões de anos-luz em todas as direções. Desde a década de 1920, quando foi demonstrado inequivocamente pela primeira vez que essas galáxias estavam além da Via Láctea, medindo-se com precisão as distâncias até elas, um fato se revelou para nós: quanto mais distante uma galáxia está, em média, mais sua luz estará deslocada para o lado vermelho, de comprimento de onda mais longo do espectro eletromagnético.

Essa relação, entre o efeito redshift e a distância, parece direta à primeira vista: quanto mais longe você olha, maior é o efeito redshift do objeto, em proporção direta um ao outro. Se você medir a relação entre os dois parâmetros você obterá um valor, conhecido como a constante de Hubble. Mas, na verdade, esse número não é uma constante, pois ele muda com o tempo. Aqui está a ciência por trás do porquê.

Uma ilustração de como o efeito redshift funciona no universo em expansão. À medida que uma galáxia se distancia de nós, a luz emitida por ela viaja uma distância maior e por um tempo maior através do universo em expansão. Em um universo dominado por energia escura, isso significa que galáxias individuais parecem se acelerar em relação a nós, e também que haverá galáxias distantes cuja luz está nos alcançando pela primeira vez hoje (LARRY MCNISH OF RASC CALGARY CENTER, VIA HTTP://CALGARY.RASC.CA/REDSHIFT.HTM)

 

Em nosso universo, a luz não se propaga simplesmente através de um espaço fixo e imutável, chegando ao seu destino com as mesmas propriedades que possuía quando foi emitida pela fonte. Em vez disso, ela enfrenta um fator adicional: a expansão do universo. Essa expansão do espaço, como você pode ver acima, afeta as propriedades da própria luz. Em particular, à medida que o universo se expande, o comprimento de onda da luz que passa por esse espaço é alongado.

Se o espaço estivesse se expandindo a uma taxa constante e imutável, isso explicaria um valor constante e imutável da “constante de Hubble”. Se você, como um fóton, viajasse pelo dobro do espaço (ou, equivalentemente, pelo dobro do tempo) em relação a um fóton emitido de um local mais próximo, seu comprimento de onda seria duas vezes maior do que o desse fóton mais próximo.

A relação entre redshift e distância para galáxias distantes. Os pontos que não caem exatamente na linha devem o leve descompasso às diferenças nas velocidades peculiares, que oferecem apenas ligeiros desvios da expansão geral observada. Os dados originais de Edwin Hubble, usados para mostrar que o Universo estava se expandindo pela primeira vez, cabem todos na pequena caixa vermelha no canto inferior esquerdo (ROBERT KIRSHNER, PNAS, 101, 1, 8-13 (2004))

 

No universo real, a relação não é tão clara quanto nesta história, e por uma boa razão: as galáxias fazem mais do que apenas permanecerem no mesmo lugar em um universo em expansão. Além disso, elas sentem a atração gravitacional de todos os outros objetos que estão vinculados a elas, puxando-as em uma variedade de direções e velocidades diferentes.

A noção de que a luz de uma galáxia sofre mais o efeito redshift quanto mais longe de nós ela estiver é verdadeira apenas na média; para qualquer galáxia, haverá um redshift ou blueshift adicional sobreposto a ela. Esse sinal extra corresponde ao movimento da galáxia em relação ao próprio tecido do espaço, algo que os astrônomos chamam de velocidade peculiar. Além dos efeitos do universo em expansão sobre a luz que viaja através dele, os movimentos individuais das próprias galáxias – um desvio Doppler – afeta cada ponto de dados individual que medimos.

Uma imagem bidimensional das regiões mais densas (vermelho) e menos densas (azul/preto) do universo perto de nós. As linhas e setas ilustram a direção dos fluxos de velocidades peculiares, que são as forças gravitacionais das galáxias ao nosso redor. No entanto, todos esses movimentos estão embutidos no tecido do espaço em expansão. Portanto, um redshift ou blueshift medido/observado é a combinação da expansão do espaço e do movimento de um objeto (COSMOGRAPHY OF THE LOCAL UNIVERSE — COURTOIS, HELENE M. ET AL. ASTRON.J. 146 (2013) 69)

 

Mas a expansão do espaço não é apenas um fenômeno observacional; ela foi prevista teoricamente antes de ser observada. Em 1922, um cientista soviético chamado Alexander Friedmann encontrou uma solução muito especial para as equações que governam o espaço-tempo na Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

Friedmann percebeu que se você presumisse que o universo era, nas maiores escalas, tanto isotrópico (o mesmo, não importa em que direção você estiver) e homogêneo (com a mesma densidade, não importa onde você estiver) seria possível derivar duas equações – as equações de Friedmann – que governam o Universo.

Uma foto minha na American Astronomical Society em 2017, junto com a primeira equação de Friedmann à direita. A primeira equação de Friedmann detalha a taxa de expansão de Hubble (ao quadrado) no lado esquerdo, que governa a evolução do espaço-tempo (PERIMETER INSTITUTE/HARLEY THRONSON)

 

Em particular, a característica mais importante dessas equações é que um universo estático é impossível: o universo deve estar se expandindo (ou contraindo) e, portanto, a luz de objetos distantes deve ser redirecionada para o vermelho (ou para o azul). Essas equações foram posteriormente derivadas por vários cientistas de forma independente: Georges Lemaître, Howard Robertson e Arthur Walker, todos têm seus nomes ligados a vários componentes subjacentes de como essas equações foram obtidas.

Mas a mais importante característica que você deve notar sobre essa equação é simples: há dois lados, o lado esquerdo e o lado direito. À esquerda está a taxa de expansão do universo – o que chamamos de constante de Hubble – e à direita está uma série de termos que correspondem às várias densidades de todas as formas de matéria e energia presentes dentro desse mesmo universo.

A primeira equação de Friedmann, como convencionalmente escrita hoje (em notação moderna), onde o lado esquerdo detalha a taxa de expansão do Hubble e a evolução do espaço-tempo, e o lado direito inclui todas as diferentes formas de matéria e energia, juntamente com a curvatura espacial. Ela foi chamada de a equação mais importante em toda a cosmologia e foi derivada por Friedmann na sua forma essencialmente moderna em 1922 (LATEX/PUBLIC DOMAIN)

 

Agora, eis a coisa importante na qual você tem que pensar: quando o universo se expande, o que acontece com parâmetros como densidade de matéria ou densidade de energia? A resposta correta é: “depende do tipo de matéria e do tipo de energia”. Por exemplo, à medida que o universo se expande, seu volume aumenta, mas o número total de partículas dentro dele permanece o mesmo. A radiação, como os fótons, também é esticada para comprimentos de onda mais longos (e energias mais baixas), enquanto a energia escura, que é uma forma de energia inerente ao próprio tecido do espaço, tem uma densidade de energia constante mesmo quando o universo se expande.

Conforme o tempo passa, o volume de um universo em expansão aumenta, o que significa, em um nível básico, que as densidades de energia de todos os componentes individuais combinados não são obrigadas a permanecer constantes. De fato, em quase todos os casos, elas não permanecem.

Como a matéria (acima), a radiação (no meio) e uma constante cosmológica (abaixo) evoluem com o tempo em um universo em expansão. À medida que o universo se expande, a densidade da matéria diminui, mas a radiação também se torna mais fria à medida que seus comprimentos de onda se esticam para estados mais longos e menos energéticos. A densidade da energia escura, por outro lado, permanecerá constante se ela se comportar como pensamos atualmente: como uma forma de energia intrínseca ao próprio espaço (E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY)

 

Devido às equações de Friedmann, sabemos que um universo com uma maior densidade de energia se expandirá em um ritmo mais rápido, enquanto um com uma densidade menor de energia expandirá em um ritmo mais lento. Contanto que a densidade de energia não permaneça a mesma, a taxa de expansão também deve mudar. A grande questão, de como a taxa de expansão evolui com o tempo, depende inteiramente do que existe dentro do nosso universo.

Muitos ingredientes diferentes podem existir em um universo em expansão, e cada um deles evoluirá de acordo com as propriedades únicas inerentes a essa forma particular de energia. Radiação e neutrinos foram os ingredientes mais importantes, em termos energéticos, há muito tempo, sendo posteriormente substituídos por matéria normal e matéria escura como ingredientes dominantes. À medida que vamos para o futuro, a energia escura dominará, eventualmente fazendo com que a taxa de Hubble se associe a um valor finito, diferente de zero.

Vários componentes e contribuintes para a densidade de energia do universo, e quando eles poderiam se tornar dominantes. Note que a radiação foi dominante sobre a matéria por aproximadamente 9.000 anos, mas continuou sendo um componente importante, em relação à matéria, até que o universo tivesse centenas de milhões de anos, suprimindo assim o crescimento gravitacional de sua estrutura (E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY)

 

Na verdade, a parte mais útil da relação entre a taxa de expansão e o conteúdo do universo é a que nos fornece um método para medir fisicamente duas coisas simultaneamente:

  1. o quão rápido o universo está se expandindo hoje,
  2. e quais são os valores relativos dos diferentes componentes significativos da densidade de energia, hoje e no passado.

Pense desta maneira: a luz que chega aos nossos olhos hoje teve que viajar através do universo em expansão para chegar aqui. A luz que chega de uma galáxia próxima foi emitida há pouco tempo e a taxa de expansão do universo mudou apenas uma pequena quantia nesse tempo. Portanto, o universo próximo nos dá um controle sobre a atual taxa de expansão. No entanto, a luz que requer uma jornada de muitos bilhões de anos para chegar até nós verá a taxa de expansão mudar ao longo do tempo.

Um gráfico da taxa de expansão aparente (eixo y) em relação à distância (eixo x) é consistente com um universo que se expandiu mais rápido no passado, mas onde galáxias distantes estão acelerando em sua recessão hoje. Esta é uma versão moderna, que vai milhares de vezes mais longe, do que o trabalho original de Hubble. Observe o fato de que os pontos não formam uma linha reta, indicando a alteração da taxa de expansão ao longo do tempo. O fato de o universo seguir a curva que ele faz é indicativo da presença e da dominância tardia da energia escura (NED WRIGHT, BASED ON THE LATEST DATA FROM BETOULE ET AL. (2014))

 

Ao analisarmos galáxias que estão em diferentes distâncias de nós, podemos determinar qual foi a taxa de expansão (e como ela mudou) ao longo de muitos bilhões de anos. Essas mudanças na taxa de expansão do universo nos dizem quais são os diferentes componentes que o formam, pois toda a luz que viaja através dele estará sujeita à sua expansão.

Isso também nos motiva a medir a luz de objetos progressivamente mais distantes. Se quisermos entender como o universo se tornou o que ele é hoje, e como a taxa de expansão evoluiu, a melhor coisa que podemos fazer é medir como a luz sofre o efeito redshift e se desloca até nós ao longo de toda a nossa história cósmica. Com tudo o que medimos até hoje, não apenas sabemos do que o nosso universo é feito agora, mas também do que ele foi feito em todos os pontos do nosso passado.

A importância relativa de diferentes componentes de energia no universo em vários momentos do passado. Note que quando a energia escura atinge um número próximo de 100% no futuro, a densidade de energia do universo (e, portanto, a taxa de expansão) tenderá a se tornar constante, mas continuará a cair enquanto a matéria permanecer no universo (E. SIEGEL)

 

O fato de que a taxa de expansão do universo muda com o tempo nos diz que o universo em expansão não é um fenômeno constante. Na verdade, medindo como essa taxa muda com o tempo, aprendemos do que o nosso Universo é feito: foi exatamente assim que a energia escura foi descoberta pela primeira vez.

Porém, o termo “constante de Hubble” é um equívoco. Ela tem um valor hoje que é o mesmo em todo o universo, o que a torna uma constante no espaço, mas não uma constante no tempo. Na verdade, enquanto houver matéria em nosso universo, ela nunca se tornará uma constante, pois aumentar o volume sempre fará com que a densidade (e, de acordo com a lei Friedmann, a taxa de expansão) diminua. Talvez seja hora de chamá-la por seu nome mais preciso, mas raramente usado: o parâmetro Hubble. Seu valor atual também não é constante e talvez deva ser chamado de parâmetro de Hubble hoje. À medida que muda com o tempo, ele continua a revelar a natureza do nosso universo em expansão.

 

*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”
(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2019/08/02/sorry-astronomy-fans-the-hubble-constant-isnt-a-constant-at-all/#19a07769d59c)

 

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