05 Nov 2019

É por isso que o tempo precisa ser uma dimensão

Por Ethan Siegel
Traduzido pela equipe do SPRACE *

 

Se lhe pedissem para descrever como você pode se movimentar pelo universo, você provavelmente pensaria em todas as direções diferentes para as quais pode ir. Você pode ir para a esquerda ou para a direita, para frente ou para trás, para cima ou para baixo; e são essas suas opções. Essas três direções independentes, que podem ser descritas por algo tão simples quanto um gráfico, representam todas as formas possíveis que uma pessoa tem de se mover pelo espaço.

Mas essas três dimensões estão longe de ser todas as que existem. Há uma quarta dimensão que é igualmente importante, embora seja muito diferente: o tempo. Estamos sempre avançando no tempo, com certeza, mas ele é uma dimensão tanto quanto qualquer outra dimensão espacial. Você pode falar tanto que vivemos em um universo quadridimensional descrito pelo tecido do espaço-tempo como em um universo de 3 + 1 dimensões, onde temos três dimensões espaciais mais uma dimensão temporal; mas você não pode separar essas entidades. Vamos tentar entender o porquê.

Essa visão detalhada da Terra é baseada, principalmente, em observações do Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS) do satélite Terra da NASA. Na superfície de um planeta como a Terra, são necessárias apenas duas coordenadas (latitude e longitude, por exemplo) para definir um local. Se incluirmos locais subterrâneos ou acima da superfície, uma terceira dimensão espacial será necessária (NASA)

 

Os seres humanos, normalmente, vivem apenas na superfície da Terra. Quando queremos descrever onde estamos localizados, fornecemos apenas duas coordenadas: latitude e longitude. Precisamos apenas desses dois valores, que informam onde estamos localizados ao longo dos eixos norte-sul e leste-oeste do nosso planeta, porque a terceira dimensão é óbvia: estamos na superfície da Terra.

Mas se você estiver disposto a ir abaixo ou acima da superfície da Terra, precisará de uma terceira coordenada para descrever com precisão sua localização: profundidade/altitude ou onde você está neste eixo cima-baixo. Afinal, alguém localizado exatamente na mesma latitude e longitude que você – as mesmas coordenadas bidimensionais – poderia estar em um túnel subterrâneo ou em um helicóptero. Vocês não estariam necessariamente no mesmo local; você precisa de três informações independentes para identificar sua localização no espaço.

Sua localização neste universo não é apenas descrita por coordenadas espaciais (onde), mas também por uma coordenada de tempo (quando). É impossível ir de um local para outro sem se mover no tempo também (PIXABAY USER RMATHEWS100)

 

Entretanto, mesmo dois objetos diferentes com as mesmas coordenadas espaciais tridimensionais podem não se sobrepor. O motivo é fácil de entender se você começar a pensar na cadeira em que está sentado agora. Definitivamente, sua localização pode ser descrita com precisão pelas três coordenadas espaciais familiares a nós: x, y e z. Esta cadeira, no entanto, está ocupada por você agora, neste exato momento, em oposição a ontem, uma hora atrás, na semana que vem ou daqui a dez anos.

Para descrever precisamente um evento no espaço-tempo, você precisa saber mais do que apenas onde ele ocorre, mas também quando ele ocorre. Além de x, y e z, você também precisa de uma coordenada de tempo: t. Embora isso possa parecer óbvio, ela não desempenhou um grande papel na física até o desenvolvimento da Teoria da Relatividade de Einstein, quando os físicos começaram a pensar sobre a questão da simultaneidade. Imagine, se preferir, dois locais diferentes – um ponto “A” e um ponto “B” ⁠ – conectados por um caminho.

Você pode escolher quaisquer dois pontos e desenhar um caminho unidimensional (linear) conectando-os. Se você exigir que alguém ande do ponto A ao ponto B ao mesmo tempo que alguém caminha do ponto B ao ponto A, sempre haverá um evento no espaço-tempo em que esses dois viajantes ocuparão o mesmo ponto nas quatro dimensões: eles ocuparão a mesma localização espacial ao mesmo tempo (SIMEON87/WIKIMEDIA COMMONS; E. SIEGEL)

 

Imagine que uma pessoa esteja no ponto A e outra esteja no ponto B, e cada uma começa a viajar em direção ao outro ponto. Você pode visualizar onde cada um está colocando um dedo de cada mão em A e B e depois “caminhar” em direção a seus respectivos destinos. Não há como a pessoa que começa em A chegar a B sem passar pela outra pessoa, e não há como a pessoa que começa em B chegar a A sem passar pela primeira pessoa.

Em outras palavras, para que cada um chegue ao seu destino, será necessário um momento em que cada um de seus dois dedos ocupe o mesmo local ao mesmo tempo. Na relatividade, isso é conhecido como um evento simultâneo: onde todas as coordenadas de espaço e de tempo de dois objetos físicos diferentes se sobrepõem. Isso não é apenas “não controverso”, é matematicamente comprovável.

Se você permitir que uma bola de tênis caia sobre uma superfície dura como uma mesa, ela com certeza irá quicar e voltará a subir. Para descrever a posição de uma partícula como esta bola de tênis, você deve levar em consideração seu movimento através do universo, que requer não apenas informações sobre sua posição espacial, mas também sobre como essa posição evolui com o tempo. Somente ao incluir uma coordenada de tempo junto com as três espaciais podemos falar com precisão sobre o movimento dos objetos através do nosso universo (WIKIMEDIA COMMONS USERS MICHAELMAGGS e (editada por) RICHARD BARTZ)

 

Esse experimento mental explica por que o tempo precisa ser considerado uma dimensão pela qual passamos, da mesma maneira que as dimensões espaciais são dimensões pelas quais passamos. Não foi Einstein, no entanto, que juntou espaço e tempo em uma formulação singular que os deixou inextricáveis. Na verdade, foi o ex-professor de Einstein – Hermann Minkowski – que descobriu o quão inseparáveis essas duas entidades são.

Menos de três anos após Einstein introduzir sua Teoria da Relatividade Especial, Minkowski demonstrou a unidade do espaço-tempo com uma linha de raciocínio brilhante. Se você deseja se mover pelo espaço, não pode fazê-lo instantaneamente; você precisa mudar de onde está agora para outro local espacial, onde só chegará em algum momento no futuro. Se você está aqui agora, não pode estar em outro lugar neste mesmo momento, só pode chegar lá mais tarde. Mover-se pelo espaço exige que você também se mova pelo tempo.

Uma visão animada de como o espaço-tempo reage à medida que uma massa se move através dele ajuda a mostrar exatamente como, qualitativamente, ele não é apenas uma folha de tecido, mas sim como todo o espaço é curvado pela presença e propriedades da matéria e energia dentro do universo. Observe que o espaço-tempo só pode ser descrito se incluirmos tanto a posição do objeto como onde essa massa está localizada ao longo do tempo. Tanto a localização instantânea quanto a história passada de onde esse objeto estava determinam as forças experimentadas pelos objetos que se movem pelo universo (LUCASVB)

 

O que a publicação da Teoria da Relatividade Especial de Einstein expôs em 1905 foi a relação quantitativa entre o movimento de alguém através do espaço e o movimento de uma pessoa através do tempo. Ela nos ensinou que a velocidade da luz no vácuo é um limite de velocidade universal e que, quando você se aproxima dela, você experimenta os fenômenos bizarros da contração do espaço e da dilatação do tempo.

Mas Minkowski deu um salto gigantesco quando percebeu, matematicamente, que o movimento no tempo se comporta exatamente como o movimento no espaço, exceto por dois fatores multiplicativos adicionais: c, a velocidade da luz no vácuo e i, o número imaginário √( -1). Depois de concluir sua derivação do espaço-tempo pela primeira vez, Minkowski afirmou:

“Daqui em diante, o espaço por si só e o tempo por si só estão fadados a desaparecer em meras sombras, e apenas um tipo de união entre os dois preservará uma realidade independente”.

Um exemplo de cone de luz, a superfície tridimensional de todos os possíveis raios de luz que chegam e partem de um ponto no espaço-tempo. Quanto mais você se move no espaço, menos se move no tempo e vice-versa. Somente as coisas contidas no seu cone de luz do passado podem afetá-lo hoje; somente coisas contidas no seu futuro cone de luz podem ser percebidas por você no futuro (WIKIMEDIA COMMONS USER MISSMJ)

 

Quando você reúne essas descobertas, elas te levam a uma imagem do universo muito diferente da que você imaginaria com base nas antigas noções newtonianas de espaço e tempo absolutos. Ao se mover pelo universo, você experimentará mudanças na maneira como o espaço e o tempo passam para você.

  • Se você estiver parado e imóvel, permanecendo na mesma posição espacial, avançará no tempo na velocidade máxima possível.
  • À medida que você se move pelo espaço mais rapidamente, você se move mais lentamente no tempo (o tempo se dilata) e as distâncias espaciais se tornarão mais curtas no sentido da direção do seu movimento (contração do espaço).
  • E se você não tivesse massa, não teria outra opção a não ser se mover na velocidade da luz. As distâncias no sentido da direção do seu movimento se reduziriam a zero; você as atravessaria instantaneamente. Da mesma forma, o tempo se dilataria até o infinito; sua jornada levaria zero de tempo da sua perspectiva.

Um relógio de luz, formado por um fóton saltando entre dois espelhos, definirá o tempo para qualquer observador. Embora os dois observadores possam não concordar entre si quanto tempo está passando, eles concordam com as leis da física e com as constantes do universo, como a velocidade da luz. Um observador estacionário verá o tempo passar normalmente, mas um observador se movendo rapidamente pelo espaço terá o relógio mais lento em relação ao observador estacionário (JOHN D. NORTON)

 

Quando você analisa as implicações físicas dessas considerações, elas são surpreendentes. Você pode aprender que todas as partículas sem massa são intrinsecamente estáveis; como o tempo não passa para elas em sua referência, elas nunca podem decair. Quando partículas instáveis são criadas, mesmo que tenham vidas extremamente curtas, poderão percorrer distâncias muito maiores do que você imagina, multiplicando ingenuamente sua velocidade pelo tempo que vivem.

Um múon criado na atmosfera terrestre, cerca de 60-100 km acima do solo, por exemplo, alcançará a superfície da Terra embora sua vida útil (2,2 µs) signifique que ele não deveria viajar nem 1 quilômetro a velocidades próximas à da luz antes de decair. Isso também significa que coisas que começam idênticas não permanecerão necessariamente assim: um par de gêmeos idênticos, onde um permanece na Terra e o outro faz uma viagem ao espaço, envelhecerá em taxas diferentes, com o gêmeo em viagem se tornando mais jovem (experimentando menos passagem do tempo) do que o outro gêmeo ao retornar.

Mark e Scott Kelly são vistos aqui no Johnson Space Center em Houston, Texas, antes de um deles passar o ano no espaço (a bordo da ISS) enquanto o outro permaneceu na Terra. Embora o experimento tenha sido projetado para medir os efeitos do ambiente espacial no corpo humano, com o outro irmão servindo como controle, o ato de viajar ao espaço, mesmo em órbita baixa da Terra, torna o gêmeo em movimento um pouco mais jovem em seu retorno (ROBERT MARKOWITZ/AFP/Getty Images)

 

Você não pode pensar no espaço e no tempo separadamente, pois eles estão intrinsecamente conectados; mover-se através de um afeta seu movimento através do outro, independentemente de outras propriedades inerentes ao espaço-tempo. Hoje, a Relatividade Especial foi substituída pela Relatividade Geral, que também abrange a curvatura inerente ao próprio espaço. Independentemente das propriedades do universo em que você habita, seu movimento através do espaço e do tempo não pode ser tratado separadamente um do outro; você precisa dos dois juntos para descrever sua realidade.

O tempo é uma dimensão assim como o espaço, pois independentemente de como você se move no espaço, você irá sempre avançar no tempo. Às vezes lemos que nosso universo tem 3+1 dimensões, em vez de 4 dimensões, porque o tempo é ligeiramente diferente: acelerar seu movimento pelo espaço desacelera seu movimento pelo tempo e vice-versa.

Se você sabe todas as regras que regem como um objeto se move no espaço-tempo, as condições iniciais e as trocas de forças entre o objeto e o restante do sistema, você poderá prever como esse objeto se moverá pelo espaço e pelo tempo. Você não conseguirá descrever a posição de um objeto com precisão sem incluir uma coordenada de tempo, além das espaciais (Tristan Fewings/Getty Images)

 

Talvez o fato mais notável da Teoria da Relatividade de Einstein seja que qualquer pessoa, independentemente de como se mova no espaço em relação a outra pessoa, verá as mesmas regras regendo seu movimento pelo espaço e pelo tempo. Mudar o seu movimento através do espaço resultará em efeitos e consequências previsíveis para o seu movimento através do tempo, e sempre que você encontrar outro observador nessas mesmas coordenadas de espaço e tempo, ambos irão concordar com o que é simultâneo para vocês naquele exato momento.

Se o tempo não fosse uma dimensão e não tivesse exatamente as propriedades que tem, a Relatividade Especial seria inválida e não poderíamos construir o espaço-tempo para descrever nosso universo. Precisamos que o tempo seja uma dimensão inextricável do espaço para a física funcionar como funciona. Quando alguém lhe perguntar se vivemos em um universo tridimensional, tenha orgulho de adicionar um “+1” e prestar uma homenagem ao tempo.

*Traduzido do artigo original de Ethan Siegel em “Starts With A Bang!”
(https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2019/08/27/this-is-why-time-has-to-be-a-dimension/#1ccd6cdc3646)

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